o Sin gula r

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Sem vantagens na morte da mãe de meu pai

Acabei de receber a notícia do falecimento da mãe do meu pai. A velha morreu. Soube por uma tia com quem ainda mantenho alguma comunicação, ainda que cifrada. Já adianto: não estou enlutado. Não é sobre minha avó, é sobre a mãe de meu pai, apenas; esses vínculos já não são meus para carregar faz tempo.

Ela foi uma mulherzinha amargurada, que viveu anos demais e colecionou mágoas demais. Teve um casamento infeliz e fez de tudo para interferir nas vidas conjugais dos filhos homens. No caso do meu pai, ele tratou de fazer todo o resto por conta própria. Parecia que ela punia neles o que odiava em meu avô – o fato de ele ser negro, pobre, do campo.

Ela, à época de seu casamento, já ficando para tia, uma moça velha, foi forçada a casar com ele – um avô excelente para mim, mas de quem não sei se foi um marido minimamente bom. Mesmo assim, ela nunca deixou de tratá-lo com desprezo, e, ao que parecia, essa amargura foi transferida para os filhos homens. No dia do casamento dos meus pais, ela chegou a trancar meu pai no banheiro para impedi-lo de se casar com minha mãe. E assim foi com os outros filhos homens, cuja legitimidade das parceiras nunca foi reconhecida por ela, que fez questão de arruinar a vida conjugal delas, e de seus filhos "ilegítimos" na opinião dela. Sempre, SEMPRE.

Eu e meu irmão percebíamos o tratamento diferenciado. "Menos", para dizer o mínimo, do que o que ela oferecia aos outros netos, os "legítimos" – filhos das filhas que casaram com homens abastados. Para esses, amor e presentes caros; para nós, migalhas afetivas e uns trocados. Era óbvio o porquê, mas aos poucos isso foi perdendo qualquer peso para mim.

O que sinto é um alívio estranho, um alívio simbólico. Porque não muda nada do que passou: não junta meus pais, não refaz minha infância, não cura meus traumas, nem restaura minha fé na monogamia, que para mim morreu antes dela, enterrada nas constatações precoces sobre a inviabilidade crônica dessa configuração relacional, pelo menos na minha família, nessa minha primeira e mais importante referência. Esse alívio alivia apenas o presente, sem mexer em nada no que foi.


Hugo Lobo

Nenhum comentário: