o Sin gula r

quarta-feira, 3 de março de 2010

Vamos falar sobre CINEMA: Donnie Darko


Voltanto a falar sobre filmes, desta vez, escolhi um realmente especial.

Donnie Darko, 2001, filme espantosamente intrigante. O Richard Kelly neste aqui resolveu escancarar as portas do juízo e abrir todas as possibilidades de entendimento. Contudo, toda esta febre que ainda lateja deve-se explicar pelo fato da fraca bilheteria nos USA (CREIA!), fato este que minou sua distribuição por outros países, limitando-o em termos de alcance.

Pois bem, como disse, pode-se chegar a várias conclusões... Uma linha:

Donnie pode prever o futuro, inconscientemente e é por isso que ele obedece Frank: mesmo não sabendo o que exatamente, ele sabe que o que Frank lhe manda fazer terá uma implicação positiva na sua vida.

Relembrando fatos: quando Donnie inunda a escola, tal acontecimento culmina com a amizade dele e Gretchen, sua futura namorada; quando ele ateia fogo na casa do Cunningham, descobre-se, graças ao incêndio, que o mesmo é um pedófilo, etc...

Frank é (mais) um caso à parte, este é namorado da irmã de Donnie. A relação dele e Donnie se deve ao fato de Frank matar Gretchen no final, o que demonstra outra premonição de Donnie. Isso sugere que Donnie já sabia que Frank apareceria em sua vida futuramente, ele só não sabia como, nem onde, nem em que circunstâncias.

Não estou conseguindo expor completamente os dados... Vamos recomeçar por outro hemisfério: Donnie tem consciência sobre seu “poder”, tanto que se interessa pelo assunto e acaba conseguindo enxergar uma relação entre ele e a vovó Morte, ex freira e professora que escreveu um livro intitulado "a filosofia da viagem no tempo", a mesma depois tem um surto psicótico e se entrega a uma espécie de repetição autômata. Bem, ela sabe que no futuro, alguém lhe mandará uma carta, e esse alguém será uma espécie de “the one”, por isto a espera pacientemente.

Várias coisas ficam em segundo plano, como o caso do palestrante pedófilo, os dois "bullys" que estavam na casa da vovó morte, a professora puritana e sua obcessão pelo palestrante, o indivíduo de vermelho que vê os dois se bejando e depois está na porta da festa com uma lanterna (é como se ele fosse uma espécie de vigilante, inspetor do sobrenatural que estivesse lá com o único fim de certificar-se que tudo corria como o planejado), e não poderia deixar de citar a conversa sobre os smurfs e a sexualidade, hehe.

Quanto mais próximo do centro da trama, mais confusa se torna a compreensão. Quando ele vai ao ápice do “fim do mundo” (lugar onde é rodada a primeira cena), com Gretchen morta ao seu lado, ele sabe que pode salvá-la! O fim do mundo aqui pode ser lido de duas maneiras: I – O fim do mundo para Darko, culminando com a sua morte, o fim da sua existência; II – O fim do mundo poderia ser também um buraco de minhoca, uma ponte no espaço/tempo, que o professor lhe havia falado numa conversa anterior, sendo que a espaçonave necessária para que a passagem fosse realizada, no caso, é o avião onde a mãe e irmã de Darko estão (voltando para casa e para a morte).
Sendo assim, a turbina que cai em seu quarto, nas primeiras cenas, é do mesmo avião citado. Veio do futuro. Donnie compreende isso, e vai até o local contemplar os acontecimentos. Aqui chega-se a uma parte nebulosa da história, onde ficam as dúvidas: ele volta para o passado? Sua casca atual deixa de existir, e tudo que acontecera desde o dia do incidente com a turbina se modifica? Tudo se tratou de uma ilusão/premonição coletiva? Particularmente, deposito mais crença na primeira hipótese. Ele volta ao passado, e permanece na cama, ciente do que está por acontecer, mas encarando a morte em prol da vida de Gretchen e de todos os outros. As risadas que ele dá na cama, e sua feição de dever cumprido, dão a entender isso. Aqui Donnie chega a me lembrar um pouco de Cristo, mas um Cristo um tanto niilista, que sabe, melhor, tem a certeza de que todos morrem sozinhos... Mas esta ligação é para um outro post, porque o material é um tanto extenso e não quero fatigar o leitor (nem a mim).
Ao fim, para ironizar mais ainda tudo, todos sentem, estranhamente, alguma relação com Donnie. Gretchen se sensibiliza ao ver o rapaz morto, amassado pela turbina; Frank põe a mão sobre o olho direito (o mesmo que houvera sido atravessado por um disparo). Aliás, aqui temos outra premonição de Donnie: numa alucinação, ele tenta furar o mesmo olho do coelho, só que aqui, contra o espelho.

Um outro ponto que chama muito a atenção, por ser um tema recorrente e familiar, é a atmosfera de tédio presente do início ao fim, comum à maioria dos personagens. É como se alguns tivessem desistido de lutar contra a mesmice, contra a falta de originalidade e criatividade. E Donnie é o sujeito que está ali justamente pra ser o contraponto à esta apatia. Apesar de ele mesmo dar sinais claros de cansaço, como se estivesse lutando numa guerra perdida, mas na qual ele ainda acha que vale a pena lutar. Por isso ele continua tentando: desafia professores ultrapassados, métodos antiquados, verdades absolutas, trazendo assim mais autenticidade a um meio tão tedioso. Donnie é tão natural, tão autêntico que chega a ser pertubador pra quem não o compreende. Mas ao mesmo tempo (e por isso mesmo) "instigante". Aliás, creio que essa seja a melhor palavra para definir o filme.

Só para constar, a trilha sonora é recheada de músicas boníssimas da década de oitenta, muito boa! Joy Division, Echo and The Bunnymen*, Tears For Fears, Gary Jules cantando 'Mad World' do The Church. E só pra constar (também), o filme se passa em 1988.

Definitivamente, é impossível sacar o filme de primeira e chego a desconfiar que também nas segundas e terceiras... Portanto, destruindo tudo o que falei até agora confesso que chego à conclusão de que este filme está acima de qualquer versão, compreensão ou entendimento. São tantos elementos importantes, simbólicos e universais que qualquer tentativa de "entender" a história acaba diminuindo o seu verdadeiro valor. Se Donnie voltou no tempo, se ele viveu alguns dias num universo paralelo, se ele se sacrificou por alguém... Estas coisas acabam sendo um detalhes. As angústias, o vazio da vida que ele tinha, a mediocridade das pessoas, o quanto ele se sentia sozinho, o fato dele ser um incompreendido... Isto tudo e outros pontos que fazem o filme ser especial. É o cinema como deve ser. É a arte como deve ser. Sem sacadas, sem lições, mas com sensações. O filme tem uma atmosfera, tem uma cara, tem um universo próprio, um estilo, um traço, uma unidade... É um quadro, uma pintura. É pra sentir, não é para entender e dizer: "Ah... caramba! Era isso! Genial!". É um filme sensível, apesar do esforço racional envolvido. É um filme "escuro" e bonito.

H.P.'.

3 comentários:

CADERNOS DE DELÍRIOS disse...

Bom, Donnie Darko já me perece ser um nome de super-herói de quadrinhos e o filme dispensa qualquer comentário é uma atmosfera onírica consciênte, literalmente um sonho lúcido.

Quanto ao filme em si: " É uma obra-prima cinematográfica "

Hugo Lobo disse...

É isto aí, Garfo!

Em poucas palavras conseguiu dizer o que tentei vomitar numas quinhentas... :)

Mas venha cá e me diga... "porque você não tira esta fantasia estúpida de homem?..."

H.P.'.

Hugo Lobo disse...

Aos blogueiros, amigos e simpatizantes... Este é um blog comum, singular só no nome, mas sitam-se à vontade para tratar certos posts qual forum de discussões, ok.

Abraços e boa leitura.

H.P.'.