o Sin gula r

domingo, 14 de junho de 2015

Sobre a fumaça




Quando se está trancado em uma casa em chamas não há muito o que se fazer. O desespero é constante, assim como o fogo. Os bombeiros do lado de fora atiram litros velozes de água, mas o foco é dentro, bem dentro.

De dentro, ao mesmo tempo que o fogo tudo corrói, uma espécie de desapego misturado com aceitação ao fim eminente se aloja por debaixo da pele chamuscada e do coração que teima em bater.
 
Ninguém consegue arrombar as portas, nem janelas. Tudo derrete e se mistura.

Ontem acordei de madrugada, era 1am eu acho, tentei voltar a dormir mas não consegui. Levantei, fumei um cigarro de alecrim e tentei fazer algo útil; paguei umas contas pela internet, traduzi um artigo que já estava em atraso, enjoei daquilo, coloquei uma roupa leve, calcei o tênis e fui andar pela cidade. Já eram 5am quando saí. Segui reto na avenida onde moro rumo ao Rio Sergipe, demorei um tempo para chegar lá e quando lá cheguei também me demorei. Enquanto os primeiros carros começavam a passar pela Rua da Frente eu esperava ansioso ver o Sol subir lá pras bandas da Ponte da Barra. Quando ele enfim apareceu, foi como se o véu se rasgasse, todo aquele meu incômodo virou vapor e suor, eu havia andado uns 3Km quando resolvi voltar para casa. No caminho eu achei primeiro um pé de Maria sem-vergonha, aquelas florzinhas brancas, pétalas em espiral, arranquei um cacho destas flores e continuei andando. Já na Praça da Bandeira, eu entrei sem pressa e fui catando outras flores, cores bem diferentes, achei até umas flores roxas. Já perto de casa eu achei uns Hibiscus e quando juntei eles à mão eu já tinha um bouquet bem variado.

Subi as escadas com alguma dificuldade, min has pernas estavam bem cansadas, abri a porta, entrei, ele ainda dormia. Peguei uma quartinha de barro no congá e coloquei nela as flores. Estava tudo muito bonito. Ascendi um incenso de flores de maracujá, tomei um banho e fiz um chá; o dia tinha tudo para continuar bem, então decidi me deixar surpreender.

Perto do meio dia eu coloquei uma camisa legal que havia comprado, meus óculos, mochila e fui almoçar no centro da cidade. A comida estava bonita, gostosa também, mas estava muito bonita de se ver, deu dó de mastigar aqueles quadradinhos de macacheira e queijo. Eu ri um tanto com meu primo, gosto muito de estar com ele, mas ontem eu não fui pro terreiro com ele. Ele me deixou no shopping, eu queria ver Mad Max. Cheguei tarde pro filme então assisti um outro.

Sabe, lá dentro eu sentia que o dia passava, dava pra ver o fluxo das pessoas que entravam e saiam pelas principais. De lá de cima eles pareciam comboios que entravam de óculos escuros e saiam com as mãos pesadas de compras, tantas. Por dentro acho que fome, ou só a sensação dos vazios. Comi uma fatia de bolo, suco de laranja, fui pra sala 4. O filme foi longo, talvez porque havia uma família barulhenta atrás de mim, eu estava impaciente desejando qualquer final para sair dalí, mas ir para onde? Eu pensei, e foi aí que eu percebi que todo o dia que passou foram apenas sensações, um dia que vivi sem expectativas, sem surpresas. Passei em três farmácias procurando um medicamento, mas nenhuma delas tinha. Cheguei a passar em uma farmácia de fórmulas que parecia bem completa, mas a atendente estava muito ocupada e aquilo me subia à cabeça. Eu fui embora.

Saí pela porta errada, andei na chuva, entrei no taxi e fui para casa. Foram minutos angustiantes, a chuva, a conversa desinteressante do motorista, as ruas. Eu me vi enjoado de tudo, fastioso, com as ideias causticadas. Cheguei em casa, ainda chovia. Subi as escadas muito mais cansado do que quando cheguei pela manhã. A luz da cozinha, o gato no sofá, mais ninguém em casa. Abri o chuveiro e percebi que ia entrar de roupa e tudo, que diferença fazia, eu já estava ensopado. Pendurei as roupas em algum lugar e demorei debaixo d’água, eu quase podia acreditar que se eu fechasse bem os olhos a água encheria o banheiro e eu de alguma forma nadaria, me afogar não seria nenhum luxo; era só água, da mesma que caia nas ruas, na minha cabeça, deu vontade de chorar mas só não fez sentido.

Os livros que eu comprei nem passei a vista, a porta nem sei se tranquei. Tomei 4mg de clonazepam e afundei na cama junto daquelas ideias todas, sozinho. Sozinho.

Agora já é quase meio dia de novo. São 72 horas sem tomar a duloxetina. Minutos atrás ele me fez um café e me perguntou como eu me sentia, eu não soube dizer ao certo e disse qualquer tolice.
 
A casa em chamas, palavras e fumaça.

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